03/05/2016

Cinema Batalha



Não deve existir na cidade do Porto um edifício que exprima com tamanha elegância o cruzamento entre as linhas da arquitectura Art Deco com o autêntico Modernismo e um toque mais ténue do Português Suave (acusado por um painel em relevo exterior e noutros detalhes). Classificado como Monumento de Interesse Público desde 2012 quase admira que se encontre subaproveitado e careça de um projecto que o reanime e trave a sua degradação (quase, porque se tratando de Portugal casos do género não surpreendem – ou a burocracia para intervencionar num imóvel classificado continua a ser demasiado restrita e difícil de ultrapassar, ou não se sabe bem o que se fazer quando não se dispõe de muito dinheiro para intervir, ou teme-se inovar, ou o poder local manifesta o seu desinteresse ou completa falta de visão).

Arrojado e inovador para a época, o Cinema Batalha foi projectado pelo arquitecto Artur Andrade em 1944 para substituir a sala de projecção de cinema High Life de 1908 (certamente muito influenciada pelo espírito da Bélle Époque que introduziu no Porto as linhas da Art Nouveau). De planta trapezoidal e com quatro pisos (um ocupando o espaço da cave) este imóvel dispõe de dois auditórios e espaço para bares e restaurante, tendo vindo a integrar elementos notáveis de pintura e escultura. Inaugurado em 1947, funcionou durante décadas como um dos principais cinemas do Porto, até que a construção dos novos shoppings nos finais do século XX retirou espectadores para novas salas de cinema que deixaram os antigos, como este, em risco de encerrar de forma definitiva. O Cinema Batalha fechou, pois claro, embora posteriormente o Gabinete Comércio Vivo (uma parceria entre a Associação dos Comerciantes e a Câmara) exploraram um dos seus bares e espaço de restauração, bem como a maior sala de espectáculos para eventos diversos. Mas em 2010 voltou às mãos da empresa Neves & Pascaud, que o mantém aberto e procura dele fazer uso da forma que lhe é possível.

Talvez o problema actual do Cinema Batalha não seja a falta de empenho da Neves & Pascaud ou da Câmara para do imóvel fazer algo mais, nem deve ser a sua classificação enquanto monumento que restrinja amplas intervenções no edifício para que o torne viável do ponto de vista de quem nele pretenda investir. Talvez o problema seja admitir que para recuperá-lo e torná-lo novamente atractivo o poder local e a empresa proprietária tenham de apostar conjuntamente numa intervenção que engloba o estudo e o trabalho de uma equipa multidisciplinar e uma colaboração com outras entidades (na mesma linha em que terá funcionado o Gabinete Comércio Vivo) – poderá ser algo exigente, mas não é impossível.

Quando se pensou em construir a Casa de Cinema Manoel de Oliveira foi um erro não se ter pensado neste magnífico espaço cultural do Cinema Batalha, que era bem mais adequado do que o edifício caro de Souto Moura que permaneceu fechado durante tantos anos num local afastado do centro. O mesmo se poderia dizer da nova Casa da Música projectada para a Porto 2001 – porque construir algo que custou tanto e veio a ser inaugurado tardiamente quando o Cinema Batalha, se fosse devidamente reaproveitado, dispunha na altura de um auditório promissor? E se falamos de música, porque não poderia servir também de sede para o Orfeão do Porto? Curiosamente, numa cidade que se tornou recentemente aberta à cultura, há excepção de algumas associações e iniciativas privadas, o poder local nunca pondereu ter um espaço magnífico e mais convidativo para a projecção de cinema alternativo ou independente – mesmo tendo em conta algumas restrições, porque não o Cinema Batalha?

Outras ideias e projectos para o Cinema Batalha poderiam ser equacionados e conjugados, pois uma coisa certa: independentemente do que se pense ou não em fazer, tendo em conta as vontades das diversas entidades que aqui mencionamos, não convém é que se desista de recuperá-lo e dar-lhe nova vida; permitir que se continue a degradar poderá sair bem mais caro do que um projecto arriscado para reaproveitá-lo.

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