31/01/2014

A Isenção de IMI, os Fundos do QREN e Outras Vontades


Classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, o centro histórico do Porto acabou por considerado um dos principais pontos de visita a Portugal. Mas o Porto não deve ser apenas considerado pelo centro histórico, mas igualmente pelo considerável património que se estende muito para lá das linhas demarcadas do que seria uma área classificada.

É difícil encarar a cidade do Porto desconsiderando o emblemático Mercado do Bolhão, as várias propriedades e casas do século XVIII que se situam na orla da principal malha urbana, das antigas fábricas (algumas com séculos de existência) que marcaram o desenvolvimento demográfico da cidade, das ilhas e das muitas habitações cuja tipologia nos oferece um forte carácter do que deve ser apreciado no Porto. Toda a cidade em si respira história e os exemplos que marcaram o progresso da cidade ao longo dos tempos (habitacional, utilitária, industrial e comercial – sem esquecer pontes, ferrovias e meios de transporte) devem ser reapreciados e resguardados de uma forma que só uma forte vontade de manutenção, adaptação e sobretudo de reabilitação podem apreender.


A cidade histórica não está no seu melhor. Há demasiada degradação, abandono, ausência de manutenção e até de reconhecimento de dados monumentos que cativam a curiosidade ao visitante. 


Parece hoje claro que a SRU Porto Vivo não teve o melhor dos desempenhos na reabilitação da Praça dos Cardosas e muito mais ficou por fazer, permitindo que os níveis de população decrescessem para o início do século XX, a par de tantos prédios ainda devolutos. Um injustificado centralismo também prejudica a afirmação de uma área metropolitana sediada no Porto que em muito contribui em matéria de criação de riqueza para o aumento do PIB (Produto Interno Bruto) e muito mais poderia contribuir. O Porto continua a ter problemas de urbanismo, as praças não tiram melhor proveito de si, o comércio tradicional agonia de dia para dia e a própria apresentação do Mercado do Bolhão continua a ser um vexame.

Se existe alguma vontade do município em inverter estas tendências e uma reabilitação equilibrada e capaz de atrair maior população à cidade do Porto – e o programa de reabilitação de ilhas assim o demonstra – por outro lado a exigência do pagamento de IMI no centro histórico parece ser uma machadada que em tudo limita a percepção de que há vantagens em recuperar as habitações da área classificada pela UNESCO. A opacidade do processo elaborado pelo governo para gerir fundos do QREN cedidos por Bruxelas também parece comprometer dadas vontades políticas de recuperar tão valioso património – porque as típicas habitações também devem ser encaradas como tal – que exige dispor de outras condições para seduzir habitantes, visitantes e até, de certa forma, ajudar a dinamizar o comércio tradicional.


Quando não há vontade política, o que deve ser feito? Os portuenses também se devem unir pela defesa e a afirmação da sua cidade. E não devem ser apenas os portuenses que residem na cidade ou no centro histórico, mas igualmente os que ocupam toda uma área metropolitana, pois o Porto, cidade histórica classificada, também é a sua cidade.

Hoje é o dia 31 de Janeiro e se havia uma data certa para inspirar esta reflexão no sentido de que a cidade do Porto não deve continuar a ser desprezada certamente seria esta, quando os portuenses se ergueram e manifestaram a sua revolta contra um dado sistema vigente. A indignação dos portuenses ainda se justifica, face a uma cidade que parece ter sofrido os efeitos de uma guerra, onde a procura da resolução dos problemas económicos não vinga, a população residente diminui e a determinação para levar a cabo toda esta recuperação reside nas mãos de uns poucos, que certamente desejariam fazer muito mais pela afirmação do Porto.

24/01/2014

A Fábrica de Cerâmica das Devesas


A antiga fábrica de Cerâmica das Devesas foi fundada nos anos 60 do século XIX pelo canteiro marmorista António Almeida da Costa que fez sociedade com o notável escultor e ceramista José Joaquim Teixeira Lopes e outros. Juntos, criaram uma das mais importantes e bem-sucedidas fábricas de cerâmica da Península Ibérica, cujos produtos vieram a ter uma ampla aplicação na arquitectura do nosso país. Só para se ter em conta a sua importância, convém referir que José J. Teixeira Lopes, principal artista da fábrica, criou um curso de desenho e modelação que influenciou uma geração inteira de artistas, dando origem à Escola Industrial Passos Manuel, em Vila Nova de Gaia, e servindo de inspiração para os seus dois bem-sucedidos filhos António Teixeira Lopes (escultor) e José Teixeira Lopes (arquitecto).


A Fábrica de Cerâmica das Devesas tornou-se um gigantesco complexo industrial que incorporou os melhores artistas da época. Actualmente, num único passeio pela cidade do Porto, é possível reconhecer casas e palacetes cobertos de azulejos ou com tijolos e estatuetas originais desta importante fábrica.


Como complexo industrial, estendeu-se à própria Estação Ferroviária das Devesas e deu origem a um completo bairro operário no qual residiam os seus trabalhadores. A fábrica chegou a ter a sua própria fundição onde foram explorados objetos decorativos em ferro. A sua loja no Porto, na Rua José Falcão, que corresponde a um palacete revivalista islâmico, ainda conserva o que esta fábrica produziu de melhor, com uma bela fachada revestida de azulejos neoárabes. Temos aqui o melhor exemplo da associação entre a arte e a indústria que resultou numa grande empresa de qualidade – uma característica que parece ser de outros tempos, quando Portugal foi um país de maior capacidade produtiva.


A Fábrica de Cerâmica das Devesas é no mínimo emblemática e tem espaço mais que suficiente para servir de museu e albergar serviços ou pequenas empresas. Esteve inclusive para ser transformada num museu em meados dos anos 80 do século XX, quando já estava encerrada. E até o IGESPAR esteve em vias de classificá-la, nos anos 90. No entanto, na actualidade, continua desaproveitada e é uma pena, pois toda a sua recuperação (a par de outros locais emblemáticos como parte da Fábrica do Fojo e a Fábrica de Santo António do Vale da Piedade) catapultaria Vila Nova de Gaia como uma séria cidade candidata a ser classificada pela UNESCO, que só poderiam nomear todos estes complexos no seu conjunto como o melhor dos exemplos do património industrial da cerâmica do norte de Portugal que caracterizou toda uma época.




21/01/2014

Fábrica/Armazém de João F. Carvalho


A fábrica e armazém que hoje situa na Avenida Fernão de Magalhães é um exemplo de exclusividade industrial por um motivo: combinava um espaço fabril com habitações completas num único edifício.

Foi no início dos anos 30 do século XX, quando a Avenida Fernão de Magalhães ainda não havia chegado ao Campo 24 de Agosto que o industrial João da Fonseca Carvalho requereu licença para a construção deste prédio que hoje está abandonado.



Constituído por três pisos, sob uma linguagem mais austera da Art Deco, o projecto do prédio esteve a cargo do engenheiro Joaquim de Oliveira Ribeiro Alegre, muito envolvido nos projectos de urbanização nas colónias portuguesas (principalmente em Moçambique); continha uma garagem no rés-do-chão e um escritório no primeiro andar, enquanto as partes restantes serviriam para habitação. O último piso tornou-se um salão único, servindo de ampliação à fábrica do proprietário que já funcionava num prédio contíguo, onde foram instalados teares.

Apesar da sua imagem devoluta, trata-se de um dos valiosos exemplos da forte indústria que noutros tempos caracterizou a freguesia do Bonfim. Quem sabe e talvez um dia se possa reabilitar este mesmo prédio e fazer dele o mesmo género de complexo habitacional que surgiu com a reabilitação da Antiga Fábrica da Companhia Aliança, na Rua de Santos Pousada...

17/01/2014

Torre/Mirante Quinta do Fojo


Uma das estruturas mais invulgares edificadas em Vila Nova de Gaia é uma torre arruínada que é possível avistar da autoestrada A1/IC1 na direcção da cidade do Porto.

Situada na área de Canidelo, não muito longe da fábrica abandonada do Fojo, é justo situar os primórdios desta construção no período medieval (senão mais antigo) onde serviu de atalaia e comunicava directamente por sinais de fumo e fogo com o antigo Castelo de Gaia, já que no local onde se situa era possível avistar uma larga área da costa marítima que antecedia a foz do Douro. Apresentando características que apontam provavelmente o século XII como principal período de construção (ou de reconstrução), a torre acabaria por perder a sua utilidade com o passar dos séculos.


Ora, no início do século XVIII, os terrenos em torno da torre medieval foram adquiridos pelo general inglês William Neville, que fundou e construiu a casa da Quinta do Fojo, uma rica propriedade que se estendia por uma vasta área. A torre acabou por ser aproveitada para servir de mirante para os proprietários da quinta; foi-lhe adicionada uma escadaria exterior de pedra e diversos elementos decorativos em cantaria, enquanto o interior foi preenchido de cascalho e enormes blocos de pedra.

Actualmente, a torre faz parte de um horto. Junto da mesma situa-se um tanque da quinta secular, também abandonado, e parte da estrutura encontra-se desmoronada e as suas paredes em risco de ceder ainda mais pela força das pedras interiores e do cascalho. As plantas trepadeiras que a envolvem também não ajudam, mas sem dúvida que é uma estrutura cujo valor patrimonial merecia ser reconsiderado. 

16/01/2014

Moradia 653/657 na Rua da Alegria


Actualmente desconhece-se quando foi construída a moradia que ocupa o número 653 e o 657 da Rua da Alegria, uma habitação assimétrica que ao que tudo indica terá sido projectada e erguida na passagem do século XIX para o século XX.

A moradia destaca-se por incorporar em diversos elementos as linhas da Arte Nova que marcaram este período de tempo, sendo mais notórias nos painéis de azulejos decorativos em todas as fachadas, ao nível das padieiras e das cornijas, além das varandas em ferro. O mesmo estilo está presente nas casas geminadas (números 665 e 667) que se seguem, que datam de 1911. Foi precisamente neste ano que a residente Cândida Braz Pereira vendeu a habitação a António Rodrigues Teixeira.

A moradia voltou a mudar de proprietários das décadas, havendo registo que nos anos 20 do século XX foi intervencionada várias vezes pelo residente António Felisberto da Silva, acabando por ser ainda remodelada em 1942. De momento, desconhece-se ainda mais dados que permitam descortinar a sua história e o porquê do seu abandono e avançado estado de degradação, contrastando fortemente a aparência mais colorida das casas geminadas junto da mesma.

14/01/2014

Edifício Café Monumental


Na Avenida dos Aliados situa-se um dos mais nobres edifícios com ar de palacete da cidade do Porto. Desenhado segundo linhas eclécticas que ressoam motivos renascentistas e do barroco combinadas com conceitos da escola de Beaux-Art de Paris, foi projectado e começou a ser construído no ano de 1925, desenhado pelo arquitecto Michelangelo Soá à sociedade Almeida Cunha Lda., com a ambição de obterem um espaço dedicado ao comércio e com escritórios.

Em 1934, este edifício acomodou um dos principais e mais luxuosos cafés da cidade do Porto – o Café Monumental. Na zona ampla que serviu de salão de exposições, os clientes poderiam assistir a requintados concertos de música. O café não durou muitos anos e, mais tarde, o edifício transformou-se na Pensão Monumental, devido ao nome do café que o consagrou.


Justo será dizer que o edifício já mudou muitas vezes de donos e albergou diferentes serviços, incluindo um stand da Ford e até mesmo uma montra onde se promovia os circuitos automóveis da Boavista. Apesar da SRU dar sinais claros da sua vontade em recuperar este edifício – que permaneceu abandonado durante muitos anos –, pouco ou nada se fez nesse sentido. Já em 2005, uma empresa imobiliária, a CasaPorto, procurou aproveitar o espaço, promovendo a sua reabilitação em simultâneo com uma demonstração de design de interiores. Tal não surgiu os efeitos esperados. Em 2010, várias notícias e artigos de opinião pessoal acusavam o abandono deste edifício, quando o papa Bento XVI visita a cidade e a nobre fachada de granito foi ocultada por painéis para que o célebre visitante não reparasse no seu ar degradado.

O edifício do Café Monumental permanece abandonado, apesar da sua localização privilegiada. Mesmo assim, não pode deixar de ser apreciado pelos muitos visitantes do Porto que, tal como uma grande maioria de cidadãos, anseiam pela sua reabilitação e posterior funcionalidade.

08/01/2014

Mercado do Bolhão


O Mercado do Bolhão começou por ser uma pequena praça estabelecida no século XIX pela Câmara Municipal do Porto para servir de local de comércio. Essa praça conteve um lameiro atravessado por um riacho que formava uma autêntica bolha de água, que deu origem ao termo “bolhão”, que passou a designar o mercado. Só mais tarde, já em 1914, foi projetado o edifício eclético e monumental, inspirado na arquitectura francesa, que hoje conhecemos como o Mercado do Bolhão, desenhado pelo arquitecto Correia da Silva.

Passaram-se cem anos e o Mercado do Bolhão continua a suscitar todo o interesse. Mesmo as mais variadas alterações das últimas décadas não desvirtuem por completo a magnífica essência que os mais pequenos elementos transmitem. As esculturas clássicas de Mercúrio e Ceres continuam a ser uma alegoria para a Agricultura e o Comércio, os azulejos numa escadaria, referentes ao vinho, dão conta da importância do mercado a nível da promoção regional.



Temos aqui um belo monumento e uma futura praça de comércio tradicional, cuja reabilitação, sendo coerente e equilibrada, marcaria a cidade do Porto, promovendo o que há mais de característico numa cidade burguesa, invicta, que se deixa conduzir pelos melhores preceitos do seu rico passado.

05/01/2014

Quinta do Covelo


As ruínas da Quinta do Covelo, em Paranhos, escondem uma história riquíssima. Era conhecida por Quinta do Lindo Vale ou da Boa Vista devido à beleza da paisagem circundante. Data de 1720 a sua construção e o seu primeiro proprietário foi o capitão Pais de Andrade, fidalgo da Casa Real, que deixou extensa propriedade às suas duas filhas. Veio posteriormente a ser conhecida por Quinta do Covelo quando foi comprada por um comerciante de Amarante chamado Manuel José do Covelo, que logo tratou de a melhorar e tirar máximo partido da mesma para produzir cereais e vinho.

Quando Manuel José do Covelo faleceu, acabou sepultado na capela anexa dedicada a Santo António, que não conserva a sua cruz de pedra no alto do frontão da frontaria, nem os sinos dos dois campanários desmantelados. A propriedade foi adquirida depois por Manuel Pereira da Rocha Paranhos, que a legou aos seus descendentes e essa é a principal razão pela qual veio a ser também conhecida por Quinta de Paranhos. 


Os principais danos sofridos pela casa e capela da quinta ocorreram em 16 de Setembro de 1832, na sequência das lutas entre liberais e absolutistas durante o Cerco do Porto. Foi precisamente naquele local estratégico que esteve situada parte da artilharia dos absolutistas que, ao transformar sem pudor a quinta numa autêntica fortaleza, vigiavam os movimentos dos civis de Paranhos para impedi-los de abastecer com alimentos a cidade cercada. Ora, nesse dia funesto para a quinta, os liberais avançaram para contrariar os propósitos dos absolutistas e arrasaram a dita quinta fortificada, desalojando o inimigo e incendiando-a (apesar de se sucederem outros combates pela posse da mesma).

Após a luta entre liberais e absolutistas no século XIX, a Quinta do Covelo nunca mais recuperou dos estragos sofridos. E nem lhe valeu que um dos descendentes de Manuel Pereira da Rocha Paranhos a deixasse parte da propriedade à Câmara Municipal do Porto e outra parte da mesma ao Ministério da Saúde para servir de unidade hospitalar no tratamento da tuberculose, em 2009.

A casa principal e a capela anexa da Quinta continuam a ser um conjunto de ruínas, junto a um parque infantil. Talvez, futuramente, as crianças que ali brincam podem um dia regozijar-se de assistir no mesmo espaço as batalhas recreativas das lutas entre liberais e absolutistas durante o Cerco do Porto, dando a conhecer a possíveis participantes e visitantes parte da nossa mais ilustre história.

02/01/2014

Fábrica Monteiro e Filhos



A beleza das linhas da Arte Nova está sempre à espera de ser (re)descoberta em muitos dos melhores exemplos da arquitectura do início do século XX na cidade do Porto. A fábrica “Monteiro e Filhos”, conforme estaria pintado nos azulejos no topo das fachadas do edifício, é um desses exemplos.

O notável edifício, situado na esquina da Rua de Santos Pousada com o Campo 24 de Agosto, foi desenhado por António Rodrigues de Carvalho em 1914 para João Joaquim Monteiro, para que servisse simultaneamente de habitação e fábrica, com oficina anexa de ourivesaria.

É um edíficio ainda em posse da mesma família e com utilidade. Os estragos vísiveis nas suas fachadas (que carecem de uma limpeza) dizem mais respeito a actos de vandalismo do que propriamente um descuido dos seus proprietários, que mantêm o interesse em recuperar este belo exemplar de arquitectura à sua completa dignidade e à restituição dos seus azulejos originais para uma futura reapreciação do imóvel.

01/01/2014

Quinta de Vila Meã


A Quinta de Vila Meã, ou da Mitra, situa-se na freguesia de Campanhã, é de origem remota e já no século XV estava na posse da nobre família dos Vieiras.

Vários registos escritos atestam que a propriedade pertenceu à família dos Vieiras durante muito tempo, até à sua união com a família Araújo. Em 1866, a propriedade foi vendida ao comendador José Joaquim Pereira de Lima. Nos anos 20 do século XX os herdeiros do comendador venderam-na à família Mitra, razão porque hoje em dia é mais conhecida por Quinta da Mitra.


Actualmente a parte edificada apresenta todas as características de uma rica propriedade do século XVIII, onde as linhas do Barroco serpenteiam nos pormenores decorativos da capela da casa. A extensão original dos seus terrenos cobria uma vasta área que hoje é ocupada por estradas e habitações – só para se fazer uma ideia, a propriedade estava compreendida entre a zona da Corujeira e o Monte Escoural, onde se situa a Quinta de Bonjóia.

É o Movimento Terra Solta, com a total colaboração da Junta de Freguesia de Campanhã, que hoje ocupa esta quinta e faz os possíveis para reabilitar e reconverter o espaço para transformá-la na Quinta Pedagógica da Mitra, explorando-a como local de cultivo biológico, respeitando os preceitos de maior coerência e sustentabilidade da agricultura urbana.

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