27/02/2014

Moradia Nº498 da Rua de Pinto Bessa


Na nossa cidade não faltam moradias únicas, cada qual com as suas características próprias, cada qual representando um pedaço valioso de história. No seu conjunto representam uma variedade enorme de estilos, muitos dos quais representativos dos últimos duzentos anos da arquitectura portuense, que contou com mestres criativos e especializados ao nível dos melhores desenhadores e arquitectos da Europa — facto que se torna ainda mais evidente no século XIX.

Talvez por não reconhecermos na interpretação pessoal e nacionalista dos nossos mestres artísticos a vanguarda que demasiadas vezes associamos aos grandes nomes franceses e alemães (entre outros), tendemos a esquecer e desvalorizar de forma injusta tudo aquilo que já se fez na nossa cidade no contexto das moradias e casas cujos elementos são muito representativos da Arte Nova combinada com preceitos muito característicos, muito nacionalistas e regionais.


A Moradia Nº498 na Rua de Pinto Bessa é um desses magníficos exemplos ecléticos, de elementos nacionais e influênciados pela Arte Nova. O arquitecto responsável pela moradia foi Francisco de Oliveira Ferreira, que foi aluno de José Marques da Silva. Do pouco que sabemos da história desta casa, podemos referenciar o ano de 1913 como o ano do início do projecto que deveria servir de habitação para Manoel de Miranda Castro, comendador residente em Paris. A obra foi acompanhada pelo seu sobrinho e procurador, o médico João Antunes Guimarães, que seria deputado entre 1935 e 1951. Aparentemente, alguns dos seus proprietários estiveram ligados ao Cine-Teatro Ódeon, que abriu ao público em 1929 na mesma rua da moradia, a curta distância.

Ignoramos se foi o seu estado devoluto o principal motivo pelo qual em 2005 a Câmara Municipal do Porto retirou da listagem do património a salvaguardar esta mesma casa, que se destaca em absoluto pelo seu torreão, pelos ornamentos elegantes, combinados com azulejos e pelas características varandas decoradas com trabalhos em ferro. A moradia esteve para ser demolida para dar lugar a um prédio de sete andares. Actualmente está à venda.

26/02/2014

Okupa ou Ocupação Livre


Quando somos confrontados com as mais recentes notícias de que dão conta da existência de 11 milhões de casas vazias para 4,1 milhões de sem-abrigo na Europa parece-nos fácil resolver esta equação. Na verdade, já era fácil de fazê-la há dez ou mais anos atrás, quando começamos a observar que as nossas cidades e os valiosos centros históricos continham demasiadas habitações vazias, de entradas emparedadas, e registávamos a existência de tantos sem-abrigo.

Ainda hoje observamos que é o conservadorismo a principal causa de muitas casas (ou até edifícios públicos como antigas escolas, oficinas, quartéis e palacetes) permanecerem ao abandono, desocupadas e não se dar uma solução mais imediata para justificar a sua reabilitação e uso. Mais que colocar casas vazias no mercado, sempre nos pareceu óbvia a ideia de darmos maior sentido a projectos sociais de reutilização de edifícios que pode ir muito para além da sua utilidade habitacional e é mais que justo afirmar que a ocupação pura e simples por grupos que pretendem restituir dignidade e fazer uso de espaços abandonados não pode ser visto na óptica de um estado de ocupação pura e simplesmente anarquista, conforme descrevemos o movimento “okupa”. Mais que ultrapassar a visão de propriedade privada que, mesmo devoluta e inutilizada, não possa ser transgredida, convém que a nossa lei seja mais dinâmica e as autoridades competentes encarem a utilização de edifícios com um propósito renovador, permissivo, que funcionem sempre em prol de uma comunidade e igualmente dos habitantes de uma cidade mesmo quando os seus proprietários por direito não façam uso do mesmo e se permite que se degradem.


Se o movimento “okupa” é consentido no Reino Unido e noutros países (mais conhecidos por squat) e acaba por adquirir todo o protagonismo crítico, insubmisso e libertário, para que os edifícios vazios acabem por ter utilidade e dar espaço a quem procura um lar quem não tem meios ou sirvam um propósito de convívio comunitário, já não faz sentido que no nosso país, e principalmente no Porto, não se consinta o mesmo para contrariar “velhos hábitos” que nos legaram uma cidade cinzenta, envelhecida, vazia de povoação e com demasiados imóveis degradados.

Se o termo “okupa” incomoda, porque à partida sugere a ideia de invasão de propriedade, o termo “ocupação” deve ser derivado de uma lógica diferente, distinta, em que as autoridades competentes consentem e não restringem a vontade de cidadãos comuns ocuparem livremente um edifício sem grandes obrigações fiscais ou burocráticas para que o mesmo adquira um função social e não se degrade ainda mais. Um caso paradigmático é o caso do grupo Es.Col.A, que procurou fazer uso da escola primária fechada da Fontinha, de início em total consentimento com a câmara municipal, e que acabou de sofrer com uma ordem de despejo autoritária que só poderia ser entendida como um sentimento de puro conservadorismo e discriminação pelo grupo interveniente. Há casos mais felizes de ocupações e nós verificamos isso com o movimento Terra Solta, que ocupou a Quinta da Mitra em Campanhã (por exemplo) e procura conservar a propriedade com o apoio de voluntários para trabalhar em hortas urbanas e promover a reabilitação da casa e trabalhar em prol de uma comunidade, visando combater a fome.


É inegável que o grupo Es.Col.A e o movimento Terra Solta farão parte da história da cidade do Porto e as suas ocupações são exemplares de um movimento que se rege pela lógica de recuperação e a demonstra de um estado de preocupação pelas nossas cidades que deveriam ser regidas por normas mais solidárias, integrativas, menos restritivas e atractivas, dando espaço de intervenção livre aos cidadãos.

Gostaríamos que o termo “ocupação livre” também fosse mais debatido para promover uma maior utilidade dos nossos edifícios, encarando-os essencialmente como nosso património e permitindo que seja dada uma resolução mais fácil e eficaz (não nos esqueçamos que a isenção de IMI ou a venda de casas antigas degradadas a um preço simbólico para posterior reabilitação são ferramentas simples) para permitir que muitas das casas vazias do centro histórico também sejam habitadas.

Talvez já não faça mais sentido consentir as situações degradantes, ou irónicas, de permitir o desuso de tantos imóveis e a calamidade dos que dormem nas ruas ou de quem pretende fazer uso dos mesmos de forma justa e criativa mas que não dispõe de recursos para fazê-lo. E quem fala de habitações, fala do reaproveitamento de autênticos monumentos, de fábricas ou de terrenos, para que se recupere toda uma dignidade e se revalorize a nossa cidade.

24/02/2014

Ponte Maria Pia


Quando um dado monumento não apresenta evidências de degradação, tal não significa que deixa de suscitar preocupações ou desejos de uma intervenção no sentido de valorizá-lo e servir um determinado propósito na nossa cidade. Por vezes o monumento pode não ter utilização e deixar de servir plenamente o propósito para o qual foi erguido, mas no caso da Ponte Maria Pia a sua inutilização e o estado de abandono não se justificam.

Esta ponte é a mais antiga que ainda se encontra de pé sobre o rio Douro, que liga Porto e Vila Nova de Gaia. Custa-nos ignorar que foi projectada pelo gabinete de Gustave Eiffel em 1876 e terminada já em 1877, inaugurada pelo rei D. Luís I. É uma preciosidade do século XIX. Exerceu a sua função durante mais de cem anos, como parte da linha ferroviária do Norte.


Mesmo classificada como Monumento Nacional, já em 1982, ninguém pretendeu mais assumir a responsabilidade pela manutenção desta ponte. A REFER abandonou-a e as autarquias de Porto e Vila Nova de Gaia também imitaram o gesto. Nunca estudaram nenhum plano para reabilitá-la, dando-lhe uma nova função. Não tendo que ser necessariamente pedonal, poderia servir para o trânsito automóvel ou para uma extensão da linha do metro (mesmo só tendo uma direção).

Antes que os sinais de degradação se intensifiquem ou suscitem maior motivo de preocupação, esperemos que a ponte seja devidamente recuperada e à qual saibam atribuir uma função para que os cidadãos de ambas as cidades separadas pelo rio Douro possam usufruir da mesma.

18/02/2014

Farol de S. Miguel-o-Anjo


Este farol situa-se na Foz do Douro e trata-se do mais antigo de Portugal (ainda existente), servindo igualmente de ermida. Data do início do século XVI e foi introdutor das formas renascentistas na região do Porto. O estado actual da pequena torre, porém, não dignifica a sua rica história.

O farol foi construído segundo vontade do D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, em 1527. D. Miguel da Silva era um humanista culto e viajado, que havia conhecido Roma e esteve em contacto com a sua corrente de artistas. Uma vez que a zona da foz do rio Douro fazia parte das suas propriedades, achou por bem encomendar a torre ao mestre pedreiro Francisco de Cremona, discípulo de Rafael.

A torre é de feitio simples. A sua forma é quadrangular, construída em granito, encimada por uma cúpula de tijolo oitavada. No passado terá sido coroada por uma balaustrada – hoje, tristemente, mantém uma rude grade de ferro a substituí-la. No seu topo foi colocada uma escultura romana de Portummos, deus dos portos, identificado com o próprio Porto em si. Só mais tarde, entre 1841 e 1852 foram colocados os edifícios adicionais: um posto da guarda-fiscal e uma torre telegráfica coberta de azulejos. No entanto, todo este conjunto permanece num estado de desleixo, apesar de classificado pelo IGESPAR e de estar representado no brasão e na bandeira da freguesia da Foz do Douro. 

15/02/2014

Quinta da Lameira/Parque de S. Roque


O Parque de S. Roque, em Campanhã, hoje não existiria nem seria uma das principais áreas verdes da cidade do Porto se não tivesse sido erguido a Quinta da Lameira, uma entre várias propriedades da rica família Calém, ligada à exportação de vinhos do Porto.

A casa da quinta, cuja arquitectura combina elementos do final do século XVIII com vários outros do século XIX, tem uma aparência de palacete, do qual se destacam os motivos em ferro forjado do gradeamento visível das janelas, varandas, portões e corrimões, para além de alguns frisos de azulejaria e da cantaria no rebordo das telhas. O parque em si é na realidade um conjunto característico de um verdadeiro jardim romântico, disposto em patamares, com variados recantos, um lago, um chafariz de ferro forjado, um miradouro circular e até um lago numa gruta.




Em Agosto de 1978, a Câmara Municipal do Porto comprou ao então proprietário, Dr. António Eugénio de Castro Ramos Pinto Calém, uma parcela da quinta com a superfície de 11 900 m2, mediante o pagamento da quantia de 10 100 000$00. Esta primeira parcela correspondia ao solar e aos terrenos envolventes, incluindo os formosos jardins. Cerca de noves meses mais tarde, em Maio de 1979 é adquirida a segunda e última parcela com a superfície aproximada de 30 000 m2 e custando 8 600 000$00. Esta parcela corresponderia à área da frondosa mata. Todo este conjunto formado por estas duas parcelas de terreno forma hoje o Parque de S. Roque, cuja abertura ao público se efectuou em 20 de Julho de 1979.

Na casa da quinta, junto à rua de S. Roque da Lameira, funcionou em tempos o Gabinete Urbanístico da Cidade do Porto. Hoje está fechada e a necessitar de uma nova reabilitação. O parque de S. Roque, que teve custos elevados para ser adquirido pelo município do Porto, está num curioso estado de semi-abandono, o que não deixa de ser curioso quanto mais o seu enorme potencial, tendo sido já desenvolvida a proposta de se inserir num contexto de circular verde, cuja via ligaria os vários parques da cidade e espaços verdes através de um percurso urbano alternativo.

14/02/2014

Moradia Nº396 na Rua Carlos de Malheiro Dias


A Moradia Nº396, situada na Rua de Carlos Malheiro Dias, no Bonfim, data de 1941 (curiosamente, do mesmo ano em que faleceu Malheiro Dias, romancista, historiador, jornalista e político português). Nesse mesmo ano esta era a Rua Nova da Constituição e o proprietário da moradia era Alfonso Fernandez Cubeles, antigo morador da Avenida dos Aliados. Projectou-a o arquitecto e professor António de Brito, que apesar de não ser tão famoso como o seu irmão Júlio de Brito (responsável pelo Teatro Rivoli, pelo Café Aviz ou pela Junta de Freguesia de Cedofeita, entre muitos outros edifícios distintos), nesta casa esmerou-se. Assinou esta moradia juntamente com o engenheiro civil Alfredo Daniel.

Como moradia, é um exemplo claro das linhas mais sóbrias da Art Deco combinadas com as linhas mais rígidas do Português Suave que vingaram na arquitectura dos anos 40 do século XX (e não só). A área habitacional é considerável e não seria impróprio considerar esta moradia como um espaço de interesse público, cuja utilidade poderia servir de pequena biblioteca ou centro interpretativo da arquitectura portuense, para não colocar de parte a possibilidade de estar em estreita colaboração com a Escola Superior de Belas Artes do Porto, homenageando assim o arquitecto António de Brito, que foi justamente professor e director desta mesma instituição. Acaba sempre por ser uma sugestão entre tantas outras. 

12/02/2014

Casa dos Maias


Na Rua das Flores temos um palacete exclusivo da época da Renascença, relevante pelo simetrismo da sua fachada comprida, pelo equílibrio das suas proporções, onde vigora a regra áurea que é evidente na altura do piso ao nível do solo em relação ao segundo, rasgado por janelas de molduras simples com frontões triangulares.

Este palacete, foi erguido para servir de habitação no século XVI pelo fidalgo Martins Ferraz. Só no século XIX foi adquirida por Domingos de Oliveira Maia, motivo pelo qual ficou conhecida por Casa dos Maias, época em que terão sido colocadas as oito varandas de ferro forjado salientes na fachada sobre as sobrelojas. No entanto, foi a família Ferraz que mais alterou e desenvolveu o palacete. As formas do barroco setecentista sobressaem no primeiro piso, onde estão os brasões da mesma família. No pátio das traseiras, definido pela planta em U da casa, terá sido construída uma fonte e uma capela, ambas do século XVIII, sendo a capela atribuída a Nicolau Nasoni. 

A Casa dos Maias esteve para ser reabilitada e servir de hotel, mas esse objectivo não se concretizou... até agora.


09/02/2014

Palácio de S. João Novo


Mencionado desde sempre em livros de história de arte ou do nosso património, reconhecido por historiadores do nosso país ou estrangeiros, cativante para turistas, o Palácio de S. João Novo foi atribuído durante décadas a Nicolau Nasoni. No entanto, estudos mais recentes colocaram essa teoria de parte, tendo-se atribuído o desenho da obra ao mestre António Pereira, que foi o principal arquitecto responsável pelas obras na Sé Catedral no início do século XVIII, com uma ampla actividade na nossa cidade (nem sempre reconhecida). O palácio foi erguido em 1727 para o fidalgo Pedro Costa Lima, administrador dos estaleiros da Ribeira e apresenta uma fachada elaborada.

Tal como muitos outros palácios e importantes casas do Porto, a prestigiada família que ali residia fugiu no contexto das Invasões Francesas, sendo o Palácio de São João Novo ocupado pelos franceses em 1811. Durante o Cerco do Porto serviu de hospital às tropas liberais. Após o final da guerra, o palácio foi devolvido aos seus proprietários originais, que o alugaram à Tipografia Comercial Portuense.


Nos anos 40 do século XX, o palácio foi transformado no Museu de Etnografia e História do Douro Litoral, um dos mais significativos museus da afirmação da nossa região, estando em linha com a temática educativa seguida pelo Estado Novo. Contando com o apoio de vários patronos, este rico museu que atraiu muitas visitas de estudo levadas a cabo pelas escolas, começou a dar sinais de degradação desde o início dos anos 70. Nos anos 80, o Instituto Português do Património Cultural ficou responsável pela manutenção do palácio, sofrendo com um incêndio devastador em 1984. Não intervindo de forma significativa no palácio, o mesmo instituto permitiu que a degradação aumentasse ao ponto de colocar em causa a segurança dos visitantes. 

A responsabilidade do monumento transitou do IPPC para o IPM (Instituto Português dos Museus) no ano de 1989, que teve o apoio do DGEMN para apreender importantes obras de recuperação ao nível das coberturas e da fachada. O IPM também foi responsável por salvaguardar o espólio do Museu de Etnografia, permitindo que fosse espalhado e entregue a diversos museus antes de se realizar um competente inventário.

Em 1992, o Museu de Etnografia e História fecharia para que o seu espólio (já espalhado) nunca mais fosse visto pelo público.

Temos aqui dois casos particulares, interligados: o do nosso valioso espólio que acabou por transitar entre diferentes lugares e do palácio que até hoje não foi recuperado. Esse espólio era uma colecção muito variada de valor incalculável que reunia peças arqueológicas, milhares de objectos, equipamentos e documentos relacionados com as artes, o artesanato, os ofícios, o folclore e a história da região (arte sacra, brinquedos, livros, armas antigas, peças romanas, utensílios pré-históricos, instrumentos científicos, mapas e plantas da cidade, mobiliário, etc.). Actualmente, a localização de uma parte significativa desta rara e valiosa colecção é uma incógnita.

O histórico palácio sempre atraiu a atenção dos jornais, e com essa mesma atenção surgiram as promessas das autoridades no sentido de reabilitá-lo e reaver a instituição que acolheu durante décadas. Essas promessas não se cumpriram e nem com a Porto 2001 o Palácio de S. João Novo voltou a readquirir a sua função ou dignidade.
O Palácio de S. João Novo não é apenas património classificado ao abandono. Pode ser um dos casos mais graves de completo assassinato cultural que aos habitantes da nossa região um pedaço importante e informativo da sua história, atentando contra as normas do progresso e da civilização!

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