É uma iniciativa tão
interessante quanto urgente, pois da mesma forma que Portugal começou há alguns
anos atrás a dar os primeiros passos numa verdadeira política de Reabilitação
Urbana ainda há um atraso civilizacional efectivo no Direito e Garantia à Habitação
(conforme as normas do Artigo 65º da Constituição Portuguesa e vários artigos
da Declaração Universal dos Direitos Humanos) ou na ausência da construção de
um novo Paradigma de Habitação Social e/ou Comunitária.
O que é curioso no meio
disto tudo é que temos de frisar várias inconsistências de funcionalidade que
realmente dão razão a esta actuação por parte da Habita (Associação pelo
Direito à Habitação e à Cidade) que foram verificadas durante uma altura de
crise em que a nossa sociedade insistiu quase impávida a uma inversão de
valores por parte dos estados que tornaram os resgates aos bancos mais cruciais
do que a garantia de uma dada protecção dos interesses sociais dos cidadãos
(enquanto a Islândia foi praticamente a única excepção nesta actuação). Como solução
para uma crise financeira alimentou-se uma crise económica e centenas de
milhares de cidadãos perderam as suas fontes de rendimento e consequentemente
as suas habitações e, mesmo assim, com a entrega das suas casas aos bancos não
deixaram de ter as mesmas dívidas ou, no caso das dívidas às finanças, abateram
mais (ou muito mais) do que o valor que deviam ao entregar os seus imóveis.
Queixas e reclamações à parte por parte desta extorsão tolerada por governos
não surgiram efeitos desejados senão a noção de que há mais habitações vazias
do que pessoas ao longo de todo o território – e tudo parece ainda mais grave
quando milhares são excluídos do direito à habitação social porque são
desempregados recentes e muitos ainda dormem nas ruas das nossas cidades sem
existir (amplas) iniciativas para contrariar esse problema que não passe
unicamente por albergues que as afastam.
Políticas à parte (mas
não vamos ser ingénuos ao ponto de julgar que o problema não é sobretudo
político) há algo de errado quando sentimos que vivemos num sistema
disfuncional e contemplamos a dolorosa ironia de que se aposta na Reabilitação
Urbana para repovoar os centros desertificados das nossas cidades e não há
soluções para não excluir milhares de cidadãos do Direito à Habitação apenas
por razões económicas que poderia ser garantido com este esforço que está antes
a alimentar o erro de que deve ser tomado apenas em vista o lucro (maioritariamente
privado!) – e através deste a rude ganância que gera toda uma especulação
imobiliária que faz aumentar preços e garante, sem sombra de dúvidas, um amplo parque
habitacional vazio. Como se explica, por exemplo, que governos tenham resgatado
e auxiliado bancos privados que possuem milhares de residências vazias e não
lhes tenham exigido garantias em troca ou a penhora dessas mesmas residências
para assim contrariar as perdas de inúmeros cidadãos que até então cumpriram os
seus compromissos e subitamente se vêem sem as fontes de rendimento que até
então tomaram como garantido e são friamente despojados?
À partida deparamo-nos
com uma equação que deveria ser fácil de realizar, mas o assunto antes se torna
complexo porque ATÉ AGORA nunca (ou quase nunca) existiram projectos de
reconciliação da Reabilitação Urbana ou de Reocupação de Imóveis Vazios que o
Estado deveria penhorar a quem simplesmente as arrecadou atropelando direitos
básicos dos cidadãos para dar uma segunda oportunidade às verdadeiras vítimas
da crise (falamos das pessoas e não dos bancos, ao contrário do que muitos
ainda pensam), mas podemos assumir que o assunto abrange uma série de medidas
que só poderiam ser tomadas após uma discussão mais alargada deste problema que
tem sido debatido desde há muito por filósofos, sociólogos, antropólogos,
economistas e activistas mas para o qual não há efectivamente uma grande
vontade para resolver por parte das autoridades responsáveis ou uma resposta
fácil ou resumida (mas desde quando qualquer decisão importante na vida deve
ser tomada mediante respostas fáceis? Se as desejamos e as levamos a cabo sem a
devida experiência cometemos erros; mas se nas respostas mais simples
encontrarmos realmente a solução adequada somos filósofos!).
Sem nos estendermos e
pôr de parte, por agora, a apresentação de uma dada série de estudos levados a
cabo por quem se interessa pelos problemas da Habitação, ou melhor, do Direito
à Habitação, para contrariar o esvaziamento dos centros das cidades históricas
como o Porto que geram abandonos, degradações e todo aquele processo que
resumimos num etc, etc, etc até
alguém reclamar que casas ou prédios históricos devolutos e a desertificação
são uma vergonha, descrevemos o conjunto de intenções da Habita:
1)
Não haver despejos sem que se assegure
um tecto digno;
2)
Que a primeira habitação própria e
permanente não possa ser penhorada;
3)
Aumentar urgentemente, e em número
suficiente, a oferta pública de habitação com rendas adequadas ao rendimento
das pessoas;
4)
Implementar uma efectiva regulação do
mercado de habitação, combatendo a especulação imobiliária;
5)
Valorizar a Reabilitação Urbana na sua
diversidade, garantindo a manutenção da função residencial e a protecção
social;
6)
Desenvolver um plano urgente para
pessoas sem casa;
7)
Democratizar verdadeiramente a vida nas
cidades para que todos os seus habitantes tenham direito ao seu usufruto,
acesso transparente à informação e direito à participação efectiva na regulação
e tomadas de decisão sobre todas as dimensões urbanas fundamentais para a sua
vida, entre estas a habitação, o espaço público, os equipamentos e os transportes.
Um valioso conjunto de
intenções, ou exigências, bastante simples mas que realmente não terão (pelos
mais diversos motivos) respostas fáceis – o que não impede de as
subescrevermos.
Fonte:
http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/sociedade/detalhe/associacao_habita_apela_a_suspensao_dos_despejos.html
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