Entre as obras mais
polémicas que foram erguidas na cidade do Porto durante os anos que se
sucederam à classificação do seu Centro Histórico pela UNESCO, talvez nenhuma
se destaque mais do que a reconstrução da Casa-Torre da Antiga Câmara, também
conhecida por Casa dos 24.
A velha torre foi
erguida entre os finais do século XIV e inícios do século XV junto à primitiva
muralha, reaproveitando possivelmente um dos seus cubelos originais e material
construtivo disponibilizado pelo seu desmantelamento parcial, uma vez que
perdera o seu propósito defensivo há muito, através da ampla expansão da cidade
que ultrapassava o alto de Pena Ventosa e com a construção das Muralhas
Fernandinas. Erguida em granito, coroada por ameias e de portas e janelas de
arcos ogivais próprios da arquitectura gótica, não será difícil imaginar o
requinte do seu interior no período medieval, com tapeçarias e peças de
mobiliária magníficas. Aqui se reunia o antigo senado da câmara portuense e ficou
popularmente conhecida por Casa dos 24 por aqui se reunirem os 24
representantes dos vários ofícios da cidade do Porto.
Com a mudança das
reuniões da câmara para outros locais a partir de meados do século XVI, a
Casa-Torre começou a servir outros propósitos, como o de cadeia e de asilo, o
que não impediu que se degradasse e a ameaçar ruína.
Manteve-se abandonado
durante muito tempo e o que mais lamentamos é que mesmo com as sucessivas
intervenções da DGEMN a partir dos anos 30 do século XX, responsável pela
reabilitação dos troços que restaram das Muralhas Fernandinas e pela Casa-Torre
mais próxima (aquando do alargamento do Terreiro da Sé nos anos 40) que esta
antiga torre medieval não tivesse sido também reabilitada. Manteve-se em ruínas
durante várias décadas e realmente surgiu um projecto para reconstruí-la… mas
como entendemos que Reconstrução não
é exactamente o mesmo que Reabilitação,
realmente não poderíamos ser a favor da asneira que aqui se fez – porque é de
uma asneira que aqui se trata, mesmo que muitos prefiram não reconhecer o
óbvio.
A Casa-Torre foi
reconstruída em 2002 segundo um projecto de Fernando Távora e desde então causa
desagrado aos que reconhecem a incoerência de uma obra que nunca deveria ter
sido erguida num centro histórico já classificado, quando a reabilitação da
torre medieval, devolvendo-lhe a traça original e a sua identidade medieval,
teria sido bem mais apelativa. Claro que há quem defenda esta obra – e ainda
mais por se tratar de uma obra de um arquitecto conhecido –, mas quem o faz
está a negar o valor acrescentado que seria a devolução de uma torre gótica à
zona da Sé e à cidade, que dispensa completamente qualquer “arranjo” moderno
para expor o que há de melhor em termos expressivos, materiais e imateriais.
Nota: Com a crítica a este projecto específico não pretendemos descrever ou opinar contra a obra do arquitecto Fernando Távora, que na realidade merece um maior destaque e reconhecimento do que é dado na actualidade - não pretendemos misturar as coisas. É como se pedissemos a Júlio Pomar ou a qualquer outro pintor da actualidade que pintasse por cima de um quadro inacabado do século XIII em lugar de restaurá-lo; por mais expressivo, original ou até genial que fosse, não deixaria de ser um atentado.
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